sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Não vou me adaptar

Dia 31 eu viajo novamente pra votar. Meu voto não será no político que mais se aproxima da minha realidade. Se fosse assim, não votava em ninguém. Meu voto é pra tentar mudar essa realidade escrota que a gente vive, onde não temos liberdade.

Falta liberdade para beijar na boca do seu amor no meio da rua, porque ele tem o mesmo sexo que o seu. Falta liberdade para usar a roupa que você gosta, porque podem te chamar de piranha e te agredir. Falta liberdade para ter o celular que eu quero, porque podem me assaltar. Canso de ouvir meus amigos dizendo que tem um celular “lesco-lesco”, porque “vai que sou assaltado...”. Como assim, em que mundo a gente vive? Eu não posso ter o que eu quero?

Viver sempre alerta é viver com medo. O medo que nos impede de andar a pé durante a noite, passar numa rua escura, sentar num banco sozinha no ônibus e ouvir mp3. Medo que não me deixa morar num apartamento maior num lugar mais afastado, me faz gastar com taxi para voltar pra casa, pagar um condomínio caro para ter segurança 24h e pagar um aluguel nas alturas para morar na zona sul.

Eu sempre lutei contra esse medo, mas na quarta-feira fui surpreendida. Em dois segundos e destração e desvaneio, um pivete mequetrefe arrancou o cordão do meu pescoço – cordão da minha mãe, presente de 25 anos de casamento, que tinha levado pra limpar na segunda-feira. Depois da pausa nostálgica e pequeno-burguesa, me atento aos fatos: Por que passei por ali? Por que não peguei um ônibus como tinha pensado em fazer? Por que não corri atrás do infeliz?

Passado o susto e a raiva (e a vontade de ver o pivete sendo atropelado na próxima esquina, com meu cordão na mão), só consigo ter pena. Pena dele, que vive uma vida miserável onde sobrevive roubando o que nunca conseguirá ter, pena de mim, que preciso passar por uma situação tão ruim e me esconder da rua com medo, e pena do nosso país, que produz a cada dia mais pessoas que precisam roubar pra viver.
Então, dia 31 eu viajo novamente para votar. Mas não voto por mim. Meu voto é pensando na pessoa que me assaltou. Para que ele nunca mais precise roubar para sobreviver. Que seus filhos possam ir para a escola e dizer com orgulho que seu pai tem uma profissão. Para que ele não precise usar crack para fugir da vida miserável que possui.

Desejo à ele muita luz na hora de escolher seu governante. Que ele escolha alguém com uma política decente, que possa mudar a sua vida. É por isso que estudo e me interesso por políticas públicas sociais, para que nossa realidade, a minha e a dele, mude. Para melhor. Porque eu não vou, e nem quero, me adaptar.

Um comentário:

  1. Lindo texto. Lindas idéias! O que me salva desse mundo maluco são pessoas como você. Pessoas de ação,que sabem do valor das pequenas atitudes e não se curvam diante da triste realidade. Bom ler você. Vou passar sempre por aqui. beijos

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